Por Caio Peclat da Silva Paula
Algumas inquietações em: A Metamorfose
Recentemente li um grande
clássico da literatura mundial, a saber, A Metamorfose, escrito pelo
existencialista tcheco Franz Kafka. E como acontece em todo clássico, vários
questionamentos são levantados e no momento da leitura você tem a impressão de
que o autor entende mais sobre você do que você mesmo. É pensando em
compartilhar alguns questionamentos que o livro propõe que eu escrevo este
texto. Mas antes de o fazermos, sugiro a leitura da obra, que, aliás, é bem
curta, ou se você preferir, deixo aqui o link de um filme que foi baseado no
referido livro: ( https://youtu.be/94mfxO9IU9Y ).
1-
No início da obra o personagem principal (Gregor)
se dá conta que está no corpo de um inseto. E para o leitor o choque é muito
grande, pois na noite anterior Gregor ainda era homem. Mas Kafka (o autor)
detalha com precisão os pensamentos de Gregor, que somente após várias páginas
se preocupa com a sua condição monstruosa de inseto. O personagem ocupa seus
pensamentos com o seu trabalho, com a família, com a condição financeira, mas a
pergunta mais importante ele não faz: “Como me transformei em um inseto?”. Não
há espanto algum pela sua condição (nas primeiras páginas). Mas o que Kafka
queria dizer com isto?
Minha resposta é: Estamos muito
ocupados com nossas carreiras acadêmicas, com a nossa vida profissional, com os
nossos relacionamentos e não respondemos as perguntas mais básicas da
humanidade. Não sabemos quem somos, mas queremos saber quem vai ser campeão do
campeonato brasileiro de futebol neste ano. Como disse Nietzsche: “Nós, homens
do conhecimento, não nos conhecemos, de nós mesmos somos desconhecidos”. Se
você ainda não notou, estou dizendo que não nos atentamos às perguntas mais
básicas e necessárias à humanidade. Enquanto nos preocupamos em ganhar mais
dinheiro, não temos olhos para enxergar a nossa condição - que tal como a de
Gregor, também é monstruosa- onde somos escravos de um sistema de acúmulo de
riquezas, estamos gastando tempo, saúde e forças para conseguir um centavo a
mais e não nos damos conta disto.
2-
Existe um detalhe neste início que não deve ser
esquecido, e este é o fato da metamorfose, ou seja, o que gerou a transformação
em Gregor. Note que existe uma força superior a todos os personagens, algo que
determina a vida, algo que ninguém consegue vencer. Esta força determina que o
personagem (Gregor) passe o restante de sua vida metamorfoseado em um inseto. O
sentimento que melhor definiria o sujeito nesta situação é a impotência. O
sentimento de não poder fazer mais nada que possa mudar o seu destino, a consciência
atual de sua finitude. É precisamente este sentimento que todos aqueles que se
apercebem como insetos – como escravos de um sistema – sentem. Pois o sistema
econômico, a natureza humana, ou até mesmo os nossos desejos mais primitivos,
são muito mais fortes do que um inseto que possui consciência de que é inseto.
No livro, nenhuma atitude que Gregor toma é suficiente para lutar contra seu
destino. O personagem agora possui uma única alternativa, a de ser espectador
de sua própria queda. Para o autor, uma pequena diferença existe entre aquele
que possui consciência da sua condição e aquele que não a possui: aquele que se
percebe como inseto sabe do seu fim, já conhece o trágico final da história e
assiste – novamente, assim como Gregor- ao “espetáculo do absurdo”. Pode
parecer um tanto pessimista esta ideia, mas não há como lutar contra esta
força. Na escrita do autor: “Esperança há muitas, mas não para nós“.
3-
Se você ler este célebre clássico, perceberá que
Gregor sustentava a si mesmo e a sua família com o emprego que possuía antes da
transformação. Já depois da mesma, o personagem não está em condições de
exercer sua função e é a sua própria família que o alimenta e mantém vivo. Mas
nesta condição o monstruoso inseto não participa de decisões na família e nem
ao menos tem comunhão com a mesma. Ele é limitado, pela força superior, a viver
preso em seu quarto e em todas as tentativas de sair de seu quarto o contato da
família ou de outras pessoas foi sempre uma má ideia, Gregor sempre foi culpado
e no final do livro isto fica (mais que transparente, fica) cristalino. O filho
da família Samsa se vê como espectador, pois as forças superiores deram o poder
aos seus familiares.
Lembro-me de um autor que dizia:
“Já parou para pensar que o destino da humanidade está sempre na mão de poucos
homens?”. Esta é a ideia que Kafka denuncia neste ponto de sua obra. Aqueles
que pareciam fracos agora estão no poder, e por outro lado, Gregor - que
representa a humanidade – assiste o espetáculo. Para falar de outra forma, posso
afirmar que: “Poucos viverão, alguns outros, se lutarem muito, minimamente
existirão”. E se você não percebeu, somente quando
contribuímos para o sistema, nós existimos. Gregor só de fato existia quando
bancava a família. Alguns acreditam que esta é uma crítica ao sistema
capitalista, outros podem crer que diz respeito à natureza humana, entretanto,
não acredite que o problema está fora do homem, devemos nos incluir, pois
também somos parte do que há de errado com o mundo, seja lá o que isso tudo
signifique!
OBS: Este texto tenta expressar o pensamento
de Kafka, o que foi dito aqui não passa de interpretação do referido autor. Não
posso dizer que este também é o meu pensamento. O objetivo deste texto é
informar, e não expressar a opinião dos escritores do blog.
Caio Peclat da Silva Paula
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