quarta-feira, 19 de julho de 2023

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terça-feira, 28 de março de 2023

Por que a apologética de Terra Jovem é inútil?

 


POR QUE A APOLOGÉTICA DE TERRA JOVEM É INÚTIL?

“Inútil” – talvez a sua primeira reação ao ler o título deste post seja que a palavra escolhida para caracterizar a apologética de terra jovem seja muito forte. E talvez seja mesmo. Mas, o fato dela ser forte não a desqualifica para o caso em questão. A apologética de terra jovem é inútil.

Para ser claro, é preciso fazer uma distinção aqui: por “apologética de terra jovem”, me refiro ao que normalmente é chamada de “ciência criacionista” – a tentativa de reconciliar a ciência com a interpretação literalista e concordista[1] do texto de Gênesis 1-11, com todas as suas peculiaridades: a negação da efetividade dos métodos de datação, a geologia diluviana, apelo ao mistério (“Deus colocou a luz do jeito que a vemos e isso não prova um universo antigo, isso é algo que não sabemos explicar”) etc.[2] Repare, no entanto, que isso não tem absolutamente nada a ver com o Design Inteligente. O DI é aceito tanto por criacionistas de terra jovem quanto de terra antiga[3] e, pasme, até alguns teístas evolucionistas[4].

Mas então, por que a apologética de terra jovem é inútil? Por vários motivos, os quais listarei abaixo:

 

1. Ela visa provar uma terra jovem... mas e ai?

Pense nisso por um instante: suponha que se consiga provar que a terra tem 6.000 anos. Se provou que os métodos de datação não são tão confiáveis para idades longas, que um grande dilúvio ocorreu e que o big bang é uma mentira. Ok, e ai?

Isso prova que Deus existe? Não.

Isso aumenta a probabilidade da existência de Deus? Não.

Isso mostra que Jesus é Deus? Não.

Isso aumenta a probabilidade da ressurreição de Jesus? Não.

Isso aumenta a confiabilidade na Bíblia? Não.

Ou seja, não existe absolutamente nenhum benefício apologético vindo da “apologética de terra jovem”. Ela absolutamente não serve para nada.


2. Ela não prova nem a interpretação literalista e concordista de Gênesis

Ligado ao primeiro ponto, muitos usam a “ciência criacionista” como forma de validar uma interpretação literalista e concordista de Gênesis. Chamada de “interpretação literal” – que vê os dias de Gênesis como literais, além das idades dos patriarcas como literais e sem lacunas – ela é vista como a “verdade bíblica” e o criacionismo de terra jovem é, muitas vezes, chamado de “criacionismo bíblico” por conta do peso retórico que o termo “bíblico” acrescenta ao discurso.

Mas mesmo se for provado que o mundo tem 6.000 anos, ainda não se provou que essa interpretação está correta. A interpretação funcional de John Walton é compatível com uma terra jovem. Walton diz: “O ponto não é que o texto bíblico, portanto, dê suporte à uma terra antiga, mas simplesmente que não existe uma posição bíblica sobre a idade da terra. Se fosse o caso de a terra ser jovem, tanto faz.” [5]

A interpretação alegórica também é compatível com uma terra jovem. Aliás, até mesmo a interpretação dia-era é compatível com uma terra jovem! Muitos pais da igreja, por exemplo, acreditavam que o mundo tinha de 6.000 a 7.000 anos por crerem que os dias não eram literais, mas sim eras milenares. [6] Ou seja, nem como “aval hermenêutico” a apologética de terra jovem serve, pois múltiplas interpretações bíblicas são compatíveis com uma idade recente da criação.[7]


3. Ela não prova a veracidade do relato bíblico.

Suponha que o dilúvio global seja provado. Por conta dele, a geologia deve pressupor ele para a datação. Certo. A partir disso, se provou que o mundo é jovem. Muito bem. Ainda assim, não se provou o relato bíblico. Por que? Porque o dilúvio aparece em outros textos religiosos antigos, como o épico de Gilgamesh. Ou seja, outros textos sagrados seriam validados pela geologia diluviana.

 

4. Ela invalida evidências para argumentos da teologia natural

A ciência de terra jovem, por negar o Big Bang invalida uma das evidências científicas mais fortes a favor de premissas chave em argumentos a favor da existência de Deus. No argumento cosmológico kalam, a premissa 2 do argumento diz que “o universo começou a existir”. Uma das evidências mais fortes para a verdade dessa premissa é justamente a cosmologia e a teoria do Big Bang. De fato, quando descoberto, foi reconhecido que o Big Bang favorecia o teísmo, não o naturalismo. Como diz Christopher Isham:

Talvez o melhor argumento em favor da tese de que o Big Bang é favorável ao teísmo seja o óbvio desgosto pelo qual ele é recebido por alguns físicos ateus. Às vezes isso leva à ideias cientificas [...] que avançam com uma tenacidade que excede seu valor intrínseco, de modo que só podemos suspeitar que seja uma operação de forças psicológicas muito mais profundas do que o desejo acadêmico normal de um teorista em favor de sua teoria.[8]

E Stephen Hawking disse: “Muitos não gostam da ideia de que o tempo teve um início, provavelmente porque isso cheira a intervenção divina [...] Por isso, houve uma série de tentativas para evitar a conclusão de que um Big Bang tenha ocorrido.”[9] Esse desgosto por parte dos não-teístas mostra que a negação ao Big Bang parte de uma espécie de naturalismo metodológico, que visa validar apenas explicações que se restringem ao mundo natural.[10]

Além disso, o Big Bang como evento de criação fornece uma das evidências mais fortes do ajuste fino do universo, que é a sua baixa entropia inicial (o universo começou altamente ordenado, apesar do que dizem por ai[11]). Como diz o cosmólogo Sean Carroll: “Se o universo que nós vemos realmente é tudo o que existe, com o Big Bang sendo um início em baixa entropia, então parece que estamos presos em um desconfortável problema de ajuste fino”.[12]

 

Conclusão

Em suma, a apologética de terra jovem é, além de inútil, uma pedra no caminho da teologia natural. Ela não chega à conclusão alguma a favor do teísmo cristão e enfraquece argumentos a favor dele. No fim, assim como o terraplanismo, a apologética de terra jovem serve meramente de instrumento para ridicularizar o cristianismo e dar mal testemunho frente à população por meio de conspiracionismo e negacionismo.



[1] “Concordismo” é a visão hermenêutica que tenta fazer o texto bíblico concordar com a ciência moderna. Cf. SODEN, John. “Concordismo”, In: Dicionário de Cristianismo e Ciência. São Paulo: Thomas Nelson Brasil, 2018, p. 264. Edição do Kindle.

[2] A geologia do dilúvio (ou geologia diluviana) é parte importante da “ciência criacionista”. Cf. LOURENÇO, Adauto. Gênesis 1 e 2: a mão de Deus na criação, São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2018, p. 95.

[3] Pessoas como Hugh Ross, John Lennox e Fuz Rana defendem o design biológico como evidência de um Designer Inteligente. Cf. LENNOX, John. Cosmic Chemistry: do God and science mix?, 2º ed., London: Lion Books, 2021.

[4] Michael Behe, por exemplo, que é um dos maiores defensores do Design Inteligente da atualidade admite que ele crê na descendência comum dos seres vivos (DISCOVERY SCIENCE, Michael Behe Answers Hard Questions: What do you think of the idea of common descent?¸ 26 de Nov. 2019. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=zvS7t-Buwik>; acesso 28 de Mar. 2023.)

[5] WALTON, John. The lost world of genesis one: ancient cosmology and the origins debate, Downers Grove: InterVarsity Press, 2009, p. 94.

[6] GORDON, Bruce. Scandal of the Evangelical Mind: A Biblical and Scientific Critique of Young-Earth Creationism, Science, Religion and Culture, ISSN 2055-222X, Vol. 1, Nº 3, pp. 144-173, 13 de Out. 2014. Disponível em <https://researcherslinks.com/current-issues/Scandal-of-the-Evangelical-Mind-A-Biblical-and-Scientific-Critique-of-Young-Earth-Creationism/9/5/43>; Acesso 09 de Abr. 2021.

[7] Contrário à crença popular, interpretações não-terra jovem de Gênesis não surgiram para acomodar a ciência moderna ao relato bíblico. Como dito na nota anterior, os pais da igreja enxergavam os dias como eras milenares. Agostinho entendia que a humanidade era “jovem”, mas que a criação em si poderia ser muito antiga (ORTLUNG, Gavin R. Retrieving Augustine’s doctrine of creation: ancient wisdom for current controversy, Downers Grove, Illinois: InterVarsity Press, 2020, p. 120-121).

[8] Apud. CRAIG, William Lane. “The ultimate question of origins: God and the beginning of the universe”.  Astrophysics and space, ISSN: 1572-946X, v. 269, p. 728, 1999. Disponível em <https://doi.org/10.1023/A:1017083700096>; Acesso 16 set. 2020

[9] HAWKING, Stephen. Uma breve história do tempo, Rio de Janeiro: Intrínseca, 2015, p. 65. Edição ePub

[10] ERASMUS, Jacobus. The kalam cosmological argument: a reassessment, Cham, Switzerland: Springer International Publishing, 2018, p. 131.

[11] Cf. LOURENÇO, Adauto. Como tudo começou: Uma introdução ao criacionismo bíblico, São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2007, p. 91.

[12] CARROLL, Sean. From Eternity to Here: the quest for the ultimate theory of time, Nova Iorque: Dutton, 2010, p. 343. Edição ePub.