terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Maria foi assunta ao céu?


Maria foi assunta corporalmente aos céus? Essa doutrina da Igreja Católica Romana enfrenta dois problemas sérios: Não possui base bíblica e é tardio na história. Apologista católico, Karl Keating admite:

Fundamentalistas perguntam, onde esta a prova nas Escrituras? Estritamente, não há nenhuma. [1]

De fato, nem mesmo tradição pode ajudar aqui. A doutrina é completamente ausente em todos os escritos até séculos depois da morte e ressurreição de Cristo. Epifânio, no quarto século escreveu que, “quanto ao seu fim [de Maria], ninguém sabe.” [2] Ele também negou que ela tenha sido levada ao céu. [3]

Maria foi assunta ao céu?


Escritor católico Padre Mateo admite:

Muitos escritores notaram a ausência de registro histórico para a Assunção de Maria. Faltam testemunhos litúrgicos e históricos explícitos para esta crença. [4]

No terceiro século, um documento apócrifo chamado de O Livro do Repouso de Maria apresentou alguma coisa relacionada ao dogma. Mas mesmo assim, era de forma diferente do dogma atual da Igreja Católica. Esse apócrifo ensina que a alma de Maria foi levada ao céu, e um certo tempo depois seu corpo foi junto. Já a doutrina moderna é a de que ambos foram juntos ao céu. E mesmo assim, seriam três séculos de ausência do dogma.
Elizabeth Johnson nos diz que “escritos patristicos estão em silencio.” [5]
Historiador católico e Mariólogo, Juniper Carol, explica a primeira aparição da doutrina:

O primeiro testemunho expresso no Oeste para uma assunção genuína vem de um Evangelho apócrifo, o Transitus beatar Mariae de Pseudo-Melito. [6]

Apologista católico, Ludwig Ott também admite:

A ideia da assunção corpórea de Maria foi expressa primeiramente em uma certa narrativa-transitus do quinto e sexto séculos. [7]

Isso é bem importante. Pois o Papa Gelasio condenou esse documento como herético, e não fez qualquer exceção à parte da assunção de Maria. Como explica William Webster:

Em seu decreto, Decretum de Libris Cononicis Ecclesiasticis et Apocrypha, que mais tarde foi afirmado pelo Papa Hormisda, Gelasio lista o ensinamento do Transitus com o seguinte titulo: Liber qui apellatur Transitus, id est Assumptio Sanctar Mariae sob a seguinte condenação: “Este e outros escritos similares a este, que [...] todos os heresiarcas e seus discípulos, ou os cismáticos ensinaram ou escreveram [...] nós confessamos que não apenas foram rejeitados, mas também banidos de toda a Igreja Romana e Apostólica e com seus autores e seguidores de seus autores que foram condenados para sempre sob a ligação indissolúvel de anátema.” [8]

Isso significa que, como diz James White, “a primeira aparição da ideia da Assunção Corpórea de Maria é encontrada em uma fonte que foi condenada como herética pelo até então bispo de Roma, Gelasio I! A ironia é enorme: O que foi definido pelo bispo de Roma como heresia no final do quinto século se tornou dogma no meio do vigésimo!" [9]
De acordo com John Haldane, os escritos que mencionam a assunção de Maria do quinto século em diante foram todos forjados por pessoas com nomes falsos. [10] Dentre esses:

Pseudo-João, o Teólogo: A Dormição da Santa Mãe de Deus (quinto século)
Pseudo-Mélito de Sardis: O Falecimento da Bendita Maria (quinto século)
Pseudo-Cirilo de Jerusalem: Discurso sobre Maria a Mãe de Deus (quinto/sexto século)
Pseudo-Evódio de Roma: Discurso sobre a Dormição de Maria (Sexto século)
Teodosio de Alexandria: Discurso sobre a Dormição de Maria (Sexto século)
Pseudo-José de Arimateia: O Falecimento da Bendita Virgem Maria (Sétimo século).

No fim, o dogma foi definido em 1950.


Refutação de argumentos a favor


Existem alguns argumentos que católicos usam a favor da Assunção de Maria. O primeiro, vem de Mateus 27:52-53, que diz:

E abriram-se os sepulcros, e muitos corpos de santos que dormiam foram ressuscitados;
E, saindo dos sepulcros, depois da ressurreição dele, entraram na cidade santa, e apareceram a muitos.
Mateus 27:52,53

Não há qualquer menção a Maria. Não há qualquer menção à assunção de Maria. O texto nem ao menos poderia começar uma discussão sobre o assunto. Mesmo se nós assumirmos que esses que foram ressuscitados tiveram o corpo transfigurado e assumido aos céus, isso não implicaria que Maria também foi. Argumentar que muitos podem ter sido transfigurados e assumidos aos céus, portanto Maria também foi é cometer a falácia da generalização inapropriada. Então, tal texto não pode sequer ser usado em debate.
O próximo texto é provavelmente o mais usado: Apocalipse 12.

E viu-se um grande sinal no céu: uma mulher vestida do sol, tendo a lua debaixo dos seus pés, e uma coroa de doze estrelas sobre a sua cabeça.
E estava grávida, e com dores de parto, e gritava com ânsias de dar à luz.
E viu-se outro sinal no céu; e eis que era um grande dragão vermelho, que tinha sete cabeças e dez chifres, e sobre as suas cabeças sete diademas.
E a sua cauda levou após si a terça parte das estrelas do céu, e lançou-as sobre a terra; e o dragão parou diante da mulher que havia de dar à luz, para que, dando ela à luz, lhe tragasse o filho.
E deu à luz um filho homem que há de reger todas as nações com vara de ferro; e o seu filho foi arrebatado para Deus e para o seu trono.
E a mulher fugiu para o deserto, onde já tinha lugar preparado por Deus, para que ali fosse alimentada durante mil duzentos e sessenta dias.
E houve batalha no céu; Miguel e os seus anjos batalhavam contra o dragão, e batalhavam o dragão e os seus anjos;
Mas não prevaleceram, nem mais o seu lugar se achou nos céus.
E foi precipitado o grande dragão, a antiga serpente, chamada o Diabo, e Satanás, que engana todo o mundo; ele foi precipitado na terra, e os seus anjos foram lançados com ele.
E ouvi uma grande voz no céu, que dizia: Agora é chegada a salvação, e a força, e o reino do nosso Deus, e o poder do seu Cristo; porque já o acusador de nossos irmãos é derrubado, o qual diante do nosso Deus os acusava de dia e de noite.
E eles o venceram pelo sangue do Cordeiro e pela palavra do seu testemunho; e não amaram as suas vidas até à morte.
Por isso alegrai-vos, ó céus, e vós que neles habitais. Ai dos que habitam na terra e no mar; porque o diabo desceu a vós, e tem grande ira, sabendo que já tem pouco tempo.
E, quando o dragão viu que fora lançado na terra, perseguiu a mulher que dera à luz o filho homem.
E foram dadas à mulher duas asas de grande águia, para que voasse para o deserto, ao seu lugar, onde é sustentada por um tempo, e tempos, e metade de um tempo, fora da vista da serpente.
E a serpente lançou da sua boca, atrás da mulher, água como um rio, para que pela corrente a fizesse arrebatar.
E a terra ajudou a mulher; e a terra abriu a sua boca, e tragou o rio que o dragão lançara da sua boca.
E o dragão irou-se contra a mulher, e foi fazer guerra ao remanescente da sua semente, os que guardam os mandamentos de Deus, e têm o testemunho de Jesus Cristo.
Apocalipse 12:1-17

Católicos dizem que o texto se refere a uma mulher que deu a luz a um menino, e supostamente a mulher seria Maria ja que o menino é Jesus. 
Existem diversos problemas com essa interpretação: Em primeiro lugar, contradiz a própria teologia católica, pois a mulher sente dores de parto (v. 2), contrário a teologia católica que diz que Jesus nasceu miraculosamente. Isso também iria contradizer o dogma da Imaculada Concepção de Maria. James Swan explica:

Se Maria é literalmente quem o apostolo João esta se referindo, então se segue que ela estava com a criança, “ela com dores de parto, e gritava com ânsias de dar à luz.” Pense agora no que Deus disse a Eva em Gênesis 3:16 como resultado de sua queda no pecado, “Multiplicarei grandemente a tua dor, e a tua conceição; com dor darás à luz filhos.” Então, se Apocalipse 12 prova que Maria foi assumida aos céus, isso também refuta o dogma da imaculada concepção. Maria estava sujeita à maldição do pecado explicito em Gênesis 3, e Apocalipse 12 corrobora isso. [11]

Segundo, é mais provável que o texto esteja fazendo alusão metafórica à Israel. Como disse Beale e Sean McDonough:

A imagem da mulher é baseada em Gen. 37:9, onde o sol, lua, e onze estrelas são metafóricas respectivamente de Jacó, sua esposa e as onze tribos de Israel. Tudo isso levando a José, representante da décima segunda tribo. [12]

Esse tipo de linguagem era comum no Antigo Testamento. O profeta Isaías diz:

Antes que estivesse de parto, deu à luz; antes que lhe viessem as dores, deu à luz um menino.
Quem jamais ouviu tal coisa? Quem viu coisas semelhantes? Poder-se-ia fazer nascer uma terra num só dia? Nasceria uma nação de uma só vez? Mas Sião esteve de parto e já deu à luz seus filhos.
Isaías 66:7,8

Canta alegremente, ó estéril, que não deste à luz; rompe em cântico, e exclama com alegria, tu que não tiveste dores de parto; porque mais são os filhos da mulher solitária, do que os filhos da casada, diz o SENHOR.
Isaías 54:1

Ainda existe o fato de que uma hermenêutica adequada se faz olhando os métodos do escritor na sua narrativa. O “filho” é identificado como Jesus (v. 10) e o "dragão" como Satanás (v. 9). Mas João nunca identifica a mulher como Maria.
Por fim, e mais marcante, os primeiros Pais da Igreja não interpretavam esse texto dessa forma. Hipólito, no final do segundo século, por exemplo, disse:

Por mulher vestida com o sol, ele quis dizer a Igreja. (Hipólito, On Christ and the Antichrist, 61)

Metódio de Olimpo (260-312 d.C.) escreveu:

Agora a afirmação de que ela esta sobre a lua, eu considero, que denota a fé daqueles que estão lavados da corrupção no tanque da regeneração, porque a luz da lua tem mais semelhança com a água morna, e toda substancia úmida é dependente dela. A Igreja, portanto, fica em cima na nossa fé e adoção, sob a figura da lua, até que a plenitude das nações entre, trabalhando e produzindo homens naturais como homens espirituais; Por isso também ela é mãe. (Metódio, The Banquet of the Ten Virgins, Thekla (Discurso 8), Capitulos 4-6)

Vitorino de Pettau, no inicio do quarto século, disse:

A mulher vestida com o sol, e tendo a lua debaixo dos seus pés, e usando a coroa com as doze estrelas na cabeça, e tendo suas dores, é a antiga Igreja dos pais, e profetas, e santos, e apóstolos, que tiveram seus tormentos até verem o Cristo. (Vitorino, Commentary on the Apocalypse, Décimo Segundo Capítulo, 1)

Primásio, em 560 d.C. disse:

O período de três anos e seis meses significa o tempo até o fim do mundo durante o qual a igreja aumenta e foge da adoração aos ídolos e todos os erros da serpente. (Primário, Commentary on the Apocalypse, 12.14, ccl 92:187-88)

Gregório, o Grande, entre o sexto e sétimo século, disse:


Então também, João disse: “uma mulher vestida do sol, tendo a lua debaixo dos seus pés” Pois por “sol” é entendido a iluminação da verdade, mas por lua, que diminui e preenche todo mês, a mutabilidade de coisas temporais. Mas a Santa Igreja, porque ela é protegida com o esplendor da luz celestial, esta vestida, por assim dizer, com o sol; porque ela despreza todas as coisas temporais, ela esta com o sol debaixo de seus pés. (Gregório, o Grande, Morals, Livro XXXIV, em Jó 41:21)

Ainda há um ultimo argumento católico usado para sustentar essa crença. O argumento é o seguinte: Já que Maria não tinha pecado, é natural que ela tenha escapado as garras da morte, que é a conseqüência do pecado. Não apenas tal argumento parte de um raciocínio circular, pois pressupõe que Maria não tenha tido pecado, como também possui vários problemas exegéticos. O salário do pecado é a morte espiritual, não física. Isso fica claro pelo fato de Deus ter dito a Adão que no dia em que comesse o fruto, certamente morreria. Mas, Adão morreu fisicamente 900 anos depois. Portanto, o pecado não deve trazer morte física.
Por fim, um católico que admite a evolução não pode usar esse argumento. Isso porque a morte já existia antes do pecado original se a evolução ou a criação antiga forem verdade. Então, se um católico for um teísta evolucionista ou um criacionista de terra antiga, ele não pode usar esse argumento. 

Conclusão


É mais claro agora que, assim como os outros, esse dogma Mariologico tenha sido apenas introduzido à Igreja alguns séculos depois. É completamente não-bíblico, completamente ausente na história por meio milênio e foi condenado como herético pelo próprio Papa da época.
Para concluir, estudioso católico Richard McBrien admite o que já foi provado:

Desde o inicio do sexto século varias igrejas celebraram a assunção corpórea de Maria ao céu. Essa crença não se originou de evidência bíblica nem do testemunho patrístico, mas como a conclusão de um argumento baseado em conveniência. Era “conveniente” que Jesus tivesse resgatado sua mãe da corrupção da carne, e então ele “deve ter” levado o corpo dela ao céu. [13]

Citações


[1] – Karl Keating, Catholicism and Fundamentalism: Attack on “Romanism” by “Bible Christians”, p. 275
[2] – Epifânio, Panarion, Haer. 78.23
[3] – Epifânio, Panarion, Haer., 42, 12; PG 41, 777 B
[4] – Padre Mateo, Refuting the Attack on Mary, p. 28)
[5] – Elizabeth Johnson, “Assumption of the Blessed Virgin Mary,” ed. Richard P. McBrien, The HarperCollins Encyclopedia of Catholicism, HarperCollins Publishers, Inc., 1995, p. 104
[6] – Juniper Carol, Mariology, vol. 1, p. 149
[7] – Ludwig Ott, Fundamentals of Catholic Dogma, [TAN Books and Publishers, 1960], p. 209
[8] – William Webster, “Did I Really Leave the Holy Catholic Church?” em John Armstrong, ed., Roman Catholicism, p. 292
[9] – James White, Mary – Another Redeemer?, p. 54, kindle pos. 564
[10] – John Haldane, Faithful Reason: Essays Catholic and Philosophical, Routledge, 2004, p. 97
[11] – Alpha and Omega Ministries, Patrick Madrid Interprets Revelation 12, http://www.aomin.org/aoblog/index.php/2009/01/01/patrick-madrid-interprets-revelation-12/ 
[12] – G. K. Beale, Sean M. McDonough, “Revelation”, eds. G. K. Beale, D. A. Carson, Commentary on the New Testament Use of the Old Testament, Baker Academic, 2007, p. 1122
[13] – Richard P. McBrien, Catholicism: New Edition, HarperOne, 1994, p. 1085


Fontes


WHITE, James, Mary - Another Redeemer?Bethany House Publishers, 1998.

Bíblia Apologética com Apócrifos, Instituto Cristão de Pesquisas, 3ª ed. 2015

REFORMED APOLOGETICS MINISTRIES, The Assumption of Mary is Unbiblical and Ahistorical, http://www.reformedapologeticsministries.com/2016/05/the-assumption-of-mary-is-unbiblical.html

TURRITIN FAN, Mary Crowned in Revelation?, http://turretinfan.blogspot.com.br/2009/08/mary-crowned-in-revelation.html

CARM: Christian Apologetics Research Ministries, Roman Catholicism, https://www.carm.org/roman-catholicism

3 comentários:

  1. Muito bacana, Eu sendo um católico achei bem informativo.

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  2. O formalismo não ratifica a não assunção de Nossa Senhora. Não há todos os relatos sobre a vida de Jesus na Bíblia também até os seus 30 anos de idade. E ele que viveu e nasceu de sua carne não são ambos carne da mesma carne e com a graça de Deus? E estudos do Santo Sudário a cada dia levam a crer que a relíquia seja verdadeira e carrega consigo tantos elementos ainda inexplicáveis para a ciência.

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  3. Heinrich Bullinger reformador protestante acreditou na Assunção, entre outros.


    http://www.apologistascatolicos.com.br/index.php/apologetica/protestantismo/641-os-reformadores-protestantes-e-a-imaculada-conceicao-de-maria

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