Seria a fé bíblica uma fé cega? Será
mesmo que a Bíblia nos ensina a crer cegamente naquilo que ela ensina? A
resposta rápida é: Não. Mas pra respondermos de forma mais aprofundada, alguns
textos devem ser considerados. Esses textos são João 20:29 e Hebreus 11:1, que
dizem:
Disse-lhe
Jesus: Porque me viste, Tomé, creste; bem-aventurados os que não viram e
creram.
João 20:29
Ora, a fé é o
firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não
vêem.
Hebreus 11:1
Esses textos são usados tanto por
ateus quanto por crentes-mornos-nãoJulgueis para argumentar contra o uso da
apologética cristã, e dizer que a fé, na verdade, é cega. Porém, uma exegese
apropriada desses textos demonstra que eles não passam nem perto de ensinar
isso.
Seria a Fé Bíblica uma Fé Cega?
João 20:29 – Os da fé cega que se dão bem?
O versículo isolado pode até
mesmo dar essa idéia. Porém, ele em seu contexto original nos da a interpretação
correta do texto. Note que Jesus da a razão para Tomé crer. Tomé ainda assim é
um cristão salvo pela graça. Mas sua fé não é cega. Na verdade, ele se nega a
isso.
Tal acontecimento ocorre no Evangelho
de João. Isso nos da uma pista importante de que Jesus não comandou a fé cega. João
escreveu seu evangelho com um propósito apologético para combater antigas idéias
anti-cristãs que já estavam permeando no meio cristão. John MacArthur explica:
O Evangelho de
João é o segundo (cf. Lc 1.1-4) que contém uma afirmação precisa sobre o propósito
do autos (20.30-31). Ele declara: “Estes... foram registrados para que creiais
que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu
nome” (20.31). Os propósitos primários, portanto, são dois: evangelístico e
apologético. Reforça o propósito evangelístico o fato de que a palavra “crer”
ocorre aproximadamente cem vezes no Evangelho (os sinóticos a empregam menos da
metade das vezes). João compôs o seu evangelho para fornecer razões para a fé
salvadora de seus leitores e, consequentemente, assegurá-los de que receberiam
o dom divino da vida eterna (1.12).
O propósito
apologético está estreitamente ligado ao propósito evangelístico. João escreveu
para convencer seus leitores da verdadeira identidade de Jesus, ou seja,
Deus-Homem encarnado, cujas naturezas divinas e humanas estavam perfeitamente
unidas em uma pessoa, que era o profetizado Cristo (“Messias”) e Salvador do
mundo. (p. ex., 1.41; 3.16; 4.25-26; 8.58). Ele organizou todo o Evangelho em
torno de oito “sinais”ou provas que reforçam a verdadeira identidade de Jesus,
conduzindo à fé. A primeira metade de sua obra centra-se em torno de sete
sinais milagrosos escolhidos para revelar a pessoa de Cristo e gerar fé: 1) a
transformação da água em vinho (2.1-11); 2) a cura do filho oficial do re um
oficial do rei (4.46-56); 3) a cura de um paralítico (5.1-18); 4) a alimentação
de uma multidão (6.1-15); 5) Jesus andando sobre o mar (6.16-21); 6) a cura de
um cego de nascença (9.1-41); e 7) a ressurreição de Lázaro (11.1-57). O oitavo
sinal é a pesca milagrosa (21.6-11) depois da ressurreição de Jesus. [1]
João foi o autor que mais narrou
a metodologia evidencialista de Jesus. Ele constantemente narrava Jesus como
alguém que apresentava milagres como razões para crerem nele. Veja esses
exemplos:
Crede-me que
estou no Pai, e o Pai em mim; crede-me, ao menos, por causa das mesmas obras.
– João 14:11
Se não faço as
obras de meu Pai, não me acrediteis.
Mas, se as
faço, e não credes em mim, crede nas obras; para que conheçais e acrediteis
que o Pai está em mim e eu nele. - João 10:37,38
Agora, vejamos como no próprio
contexto imediato da passagem em questão, João narra a metodologia
evidencialista de Jesus:
Disseram-lhe,
pois, os outros discípulos: Vimos o Senhor. Mas ele disse-lhes: Se eu não vir o
sinal dos cravos em suas mãos, e não puser o meu dedo no lugar dos cravos, e
não puser a minha mão no seu lado, de maneira nenhuma o crerei.
E oito dias
depois estavam outra vez os seus discípulos dentro, e com eles Tomé. Chegou
Jesus, estando as portas fechadas, e apresentou-se no meio, e disse: Paz seja
convosco.
Depois disse a
Tomé: Põe aqui o teu dedo, e vê as minhas mãos; e chega a tua mão, e põe-na no
meu lado; e não sejas incrédulo, mas crente.
E Tomé
respondeu, e disse-lhe: Senhor meu, e Deus meu!
Disse-lhe
Jesus: Porque me viste, Tomé, creste; bem-aventurados os que não viram e
creram.
Jesus,
pois, operou também em presença de seus discípulos muitos outros sinais, que
não estão escritos neste livro.
Estes,
porém, foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e
para que, crendo, tenhais vida em seu nome.
João 20:25-31
O ex-detetive e apologista J. Warner
Wallace comenta:
No final, o
Apostolo João escreveu mais sobre o método evidêncial de Jesus do que qualquer
outro escritos dos Evangelhos. De acordo com João, Jesus repetidamente oferecia
evidência de Seus milagres para verificarem sua identidade e dizia a seus
observadores que essa evidência era suficiente [...] João frequentemente descreve Jesus como alguém
que oferece evidência de seus poderes miraculosos para demonstrar Sua Deidade. De
fato, a passagem descrevendo a dúvida de Tomé também é uma afirmação de uma fé
evidêncial, se for lida completamente. [...] Bem aventurados são aqueles que não
viram e creram, portanto muitos outros sinais também foram realizador por Jesus
na presença dos discípulos? Você vê a contradição aqui? Por que Jesus iria
continuar providenciar evidência se aqueles que crêem sem evidência são
supostamente os bem aventurados? [2]
Ele vai adiante e explica que, na
verdade, Jesus esta falando daqueles que não verão com base no seu próprio
testemunho ocular dos eventos, mas sim nos registrados. Isso fica evidente na
oração de Jesus em João 17:
E não rogo
somente por estes, mas também por aqueles que pela tua palavra hão de crer
em mim; Para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o és em mim, e eu em ti;
que também eles sejam um em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste.
João 17:20,21
Hebreus 11:1 – Fé naquilo que não se vê = crença sem evidência?
Esse é um texto mais simples. Vejamos
ele novamente:
Ora, a fé [grego:
pistis] é o firme fundamento das
coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não vêem. - Hebreus 11:1
A palavra grega para fé é pistis. O dicionário de Grego de Strong
traz o seguinte:
Palavra original: πίστις, εως, ἡ
Ela é: Substantivo, feminino
Transliteração: pistis
Pronuncia: (pis’-tis)
Definição curta: fé, crença,
confiança
Definição: fé, crença, confiar,
confiança, fidelidade
Notamos que a palavra grega tem
um significado mais relacionado à confiança em Deus. De fato, o contexto de
Hebreus 11 implica que essa seja a melhor interpretação para o texto em questão.
Como Neil Shenvi colocou:
Como na
interpretação de qualquer documento, o contexto é crucial. Um único verso na Bíblia
não deve ser lido isoladamente, mais do que uma única sentença em uma novela ou
um parágrafo em um contrato. A definição de fé em Hebreus 11:1 é seguida por
uma lista de um capítulo inteiro de indivíduos que, de acordo com o autor,
exemplificaram a fé. Mas numerosos personagens no subsequente ‘hall da fé’ de
Heb. 11 mostram fé que não pode significar ‘crença sem evidência’.
Por exemplo,
Abraão é mencionado como um modelo de fé no verso 8 porque ele “obedecendo ao
apelo divino, partiu para uma terra que devia receber em herança”. Mas, em Gen.
12, somos ditos que Abraão foi porque Deus falou com ele diretamente e o
comandou a ir. No v. 27, nós somos ditos que “Foi pela fé que [Moisés] deixou o
Egito”. Mas a narrativa em Êxodo 7-12 mostra que Moisés falou diretamente com
Deus e também viu Deus operando numerosos milagres, incluindo dez pragas
devastadoras. [...] Eu poderia colocar muitos outros exemplos desse capítulo,
mas o ponto é claro: ‘fé’ não pode significar ‘crença sem evidência’ porque ela
é repetidamente usada para descrever a confiança que indivíduos tiveram em Deus
depois de ouvi-lo falar com eles ou depois de vê-lo realizar milagres. [3]
J. Warner Wallace diz:
Essa confiança
naquilo que “não se vê” não é injustificado. As promessas de Deus são
fundamentadas naquilo que Deus já realizou. Em outras palavras, o autor de
Hebreus esta pedindo aos seus leitores que confiem o que não pode ser (ou ainda
não foi) visto, na base do que pode ser (ou foi) visto.
Para tornar
isso claro, o escritor de Hebreus oferece uma lista curta de crentes históricos
que confiaram nas promessas de Deus para o futuro baseados no que Deus já havia
feito no passado: Noé, Abraão, Sara, Isaque, Jacó e José são descritos como
crentes que “morreram na fé, sem terem recebido as promessas” (verso 13). As
promessas de Deus ainda não havia “sido vistas”. Com isso, esses crentes creram
firmemente nas promessas que Deus fez baseando-se no que eles já haviam visto.
[4]
Conclusão
Não, a fé cristã bíblica não precisa
ser cega. A Bíblia ordena que os Cristãos dêem razões para sua fé:
Antes,
santifiquem Cristo como Senhor no coração. Estejam sempre preparados para
responder [pros apologian = para
defender] a qualquer que lhes pedir a razão da esperança que há em vocês. - 1
Pedro 3:15
... senti que
era necessário escrever-lhes insistindo que batalhassem pela fé uma vez por
todas confiada aos santos.
Judas 1:3
Então, sim, o cristão pode e deve
estudar a defesa da fé. A fé cega, na verdade, apenas da uma imagem ruim ao
Cristianismo, e deve ser evitada.
Hebreus 11 esta falando na confiança em Deus para as promessas do futuro, baseando-se nas razões que Ele ja havia dado. E João 20 esta falando sobre aqueles que crerão sem literalmente ser testemunha ocular dos eventos. Além disso, seria difícil João estar indo onde uma fé evidencialista sendo o apostolo que mais utilizou o método evidencialista.
Fontes
[1] - MACARTHUR, John. Bíblia de estudo MacArthur. Barueri, SP:
Sociedade Bíblica do Brasil, 2010. p. 1377
[2] - COLD-CASE CHRISTIANITY. Did Jesus commend faith that is blind?. Disponível
em: http://coldcasechristianity.com/2016/did-jesus-commend-faith-that-is-blind/ Acesso em: 04 nov. 2016.
[3] - NEIL SHENVI - APOLOGETICS. How does the bible define 'faith'?. Disponível
em: http://www.shenvi.org/Essays/BiblicalFaith.htm Acesso em: 04 nov.
2016.
[4] - COLD-CASE CHRISTIANITY. Biblical “faith”:
trusting what can’t be seen on the basis of what can. Disponível em:
http://coldcasechristianity.com/2014/biblical-faith-trusting-what-cant-be-seen-on-the-basis-of-what-can/.
Acesso em: 04 nov. 2016.
A fé é divina e providencial. A filosofia é humana e vão.
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