segunda-feira, 15 de junho de 2015

Seriam interpretações diferentes de Gênesis motivadas por “outra autoridade”?


Uma acusação comum contra visões diferentes de Gênesis é a de que “são motivadas pela ciência”. Quem usa esse argumento quer dizer que, quem interpreta Gênesis de forma diferente, esta sendo motivado por algo de fora, dando a esse algo mais autoridade que as Escrituras.


Seriam interpretações diferentes de Gênesis motivadas por “outra autoridade”?


O que os Pais da Igreja dizem?


Os Pais da Igreja mais influentes da história tinham diferentes interpretações de Gênesis baseando-se apenas nas Escrituras. Justino Martyr (100-165) em “Dialogue with Trypho the Jew” [Dialogo com Trypho o Judeu], e Irineu (130-200) em “Against Heresies” (Contra Heresias) argumentavam citando Salmos 90:4 e 2 Pedro 3:8 que os seis dias de criação não poderiam ser períodos de 24 horas, pois Adão tinha sido dito que iria morrer no dia em que comesse do fruto proibido, mas ele viveu cerca de 900 anos.
Outros Pais da Igreja posteriores argumentavam para uma visão não-literal dos dias de Gênesis. Clemente de Alexandria (150-215) argumentava em seu “Stromata” que os dias de criação eram indicadores de prioridade que iam aumentando em pensamento divino, mas não representativos de uma ordem temporal, já que os dias não poderiam ocorrer no tempo, pois este foi criado junto as coisas que foram feitas.
Origen (185-254) argumentava também em seu “Against Celsus” que seria um erro ler os dias de criação como literais, já que o sol não havia sido criado até o quarto dia e que não poderiam haver dias com o céu sendo criado no segundo dia. Santo Agostinho (354-430) em “Cidade de Deus” e “O Sentido Literal de Gênesis” refletia sobre as implicações de Deus criando o tempo sob sua visão de que Deus se mantinha fora do tempo. De fato, Agostinho cria que Deus criou toda a criação instantaneamente, do seu inicio até a Nova Jerusalém. Ele diz:

“Que tipo de dias eram esses [os de criação] é extremamente difícil, ou talvez impossível para nós de conceber, imagine explicar em palavras” [Santo Agostinho, Cidade de Deus, Livro XI, Capitulo 6]

E conclui:

“Pelo menos nós sabemos que [eles são] diferentes dos dias ordinários que nós conhecemos” [Agostinho, The Literal Meaning of Genesis]

Os Dois Credos das Igrejas Antigas


O Credo Niceno, composto pelo Concilio de Nicéia (325 d.C.):

Cremos em um só Deus, Pai Todo-Poderoso, o Criador do céu e da terra, das coisas visíveis e invisíveis. E em um só Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus, o Unigênito de Deus o Pai, o Unigênito, que é da essência do Pai. Deus de Deus, Luz de Deus, Luz verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado e não feito; da natureza mesma do Pai, por quem todas as coisas vieram a existir, no céu e na terra, visíveis e invisíveis. Quem de nós a humanidade e para nossa salvação desceu dos céus, se encarnou, foi feito humano, nasceu perfeitamente da Santíssima Virgem Maria pelo Espírito Santo.

Note que só diz que Deus é o Criador dos céus e da Terra, mas não diz nem o método e nem a ou em quanto tempo.
Agora, o Credo dos Apóstolos, que apareceu por completo no quinto século, mas teve suas raízes no primeiro e segundo século:

Creio em Deus Pai, Todo-Poderoso, Criador do céu e da terra;
e em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor,
que foi concebido pelo poder do Espírito Santo, nasceu da virgem Maria;
padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado;
desceu à mansão dos mortos; ressuscitou ao terceiro dia;
subiu aos Céus; está sentado à direita de Deus Pai Todo-Poderoso,
de onde há de vir a julgar os vivos e os mortos.
Creio no Espírito Santo,
na Santa Igreja católica, na comunhão dos Santos,
na remissão dos pecados,
na ressurreição da carne,
na vida eterna.
Amém.

Novamente, não há menção a duração da criação, a idade da criação e nem ao método e criação.
A razão pela qual coloquei isso aqui, é para ver que nem as igrejas antigas consideravam isso algo de importância. O fato é que não é algo necessário para a salvação, e não devemos forçar a ser. Os pais da igreja não sabiam como interpretar esses dias e a história da criação.

O Movimento de Terra Jovem é recente


Antes do período final do século 19 a correta interpretação de Gênesis era desconhecida. De fato, foi apenas com os escritos e alegadas visões da profeta Adventista, Ellen White, que o movimento Criacionista de Terra Jovem começou. Antes dela, alguns geólogos tentavam argumentar para uma terra recente, e do lado da teologia, haviam Martinho Lutero e João Calvino. Porem, citar estes como defesa para dizer que o movimento de terra jovem não é recente seria reflexo de um mal entendimento do que aconteceu. Certamente existiram Criacionistas de Terra Jovem antes das alegadas visões de Ellen White, mas o movimento de criação recente como é conhecido e ensinado hoje só veio a se manifestar depois das ditas visões dela. Alem disso, João Calvino e Martinho Lutero eram geocentristas, algo que ninguém, nem ao menos CTJ crêem hoje em dia.

Mesmo se fosse verdade, e daí?


Mesmo se a tradição fosse a de que tudo foi criado a 6.000 anos em seis dias de 24 horas, isso não iria significar nada. Deus nos deu dois livros: A Bíblia e o Livro da Natureza. Este segundo é o único que a Bíblia diz que Deus também é o autor. O que isso significa é que um não pode contradizer o outro. Deus não iria criar algo que Ele sabia que os humanos iriam estudar que pudesse dar resultados tão diferentes. Então, minha visão de inerrancia é a seguinte:

Premissa 1 – A interpretação humana de terra jovem diz que a Terra tem 6000 anos.

Premissa 2 – Se a Bíblia disser que a Terra tem 6000 anos, então a Bíblia esta errada.

Premissa 3 – A Bíblia não pode estar errada.

Conclusão – Portanto, não importa o quanto você defenda biblicamente sua interpretação, a interpretação humana de terra jovem das Escrituras esta errada.

Essa é a melhor forma de ver a Bíblia, pois coloca ela acima da interpretação humana tando dela mesma quanto da ciência, mas tenta ver ambos de forma consistente e complementares. 
Tanto a Bíblia quanto a Natureza nos falam da revelação de Deus. Um é um Livro escrito por autores humanos inspirador por Deus. O outro é a criação direta de Deus. Com isso em mente, podemos ver um problema em quem diz “isso é armadilha de Satanás”. Dizer que Satanás pode manipular a natureza e seu estudo é menosprezar o poder de Deus como Criador. Alem disso, por que Satanás iria fazer isso com algo que não é necessário pra Salvação?
Alguns podem tentar rebater dizendo “mas por que a interpretação humana da ciência não pode estar errada?” Simples: Um dos pilares da ciência moderna é o de que se algo é consenso da maioria, então essa idéia é mais provável de ser verdade do que não. Alem disso, a maioria crê em uma Terra de 4 bilhões de anos. Mesmo se a maioria estiver errada, esse numero não iria diminuir para 6000 anos. Uma possível resposta a isso é a que “eles só acreditam por causa de sua idéia pré-concebida de que a evolução é verdade”. Porem, isso seria cometer a Falácia Genética: Tentar invalidar uma crença ou posição atacando como ela possa ter se originado. E também, o mesmo argumento pode ser feito contra a ciência de Terra Jovem. Toda ela pressupõe que a Terra tem 6000 anos. E isso é algo a se pensar: Existem criacionistas de Terra Jovem que variam de 6000 anos a 20000 anos. Se cientistas fizerem a ciência deles com seus variados pressupostos, chegarão a resultados diferentes. Por exemplo, Adauto Lourenço crê que o universo tem 6000 anos. Mas, existem criacionistas que crêem que ele tem 10000. Quem estaria certo? Temos que ir atrás do resultado sem pressupor nada.

“Mas, se você começar com a Bíblia...”


Se eu começar com a Bíblia, posso chegar na mesma conclusão dos mais influentes Pais da Igreja. Alem disso, começar com a Bíblia, pressupondo sua verdade, é raciocínio circular.

“A Bíblia diz isso” – “Portanto essa visão é verdade” – “Porque a Bíblia diz isso”

Deus sabia que os céticos iriam estudar a natureza. Sendo assim, Ele não faria algo de forma que tivesse que pressupor a veracidade de Sua Palavra. Não podemos pressupor que a Bíblia seja verdade e argumentar a partir daí, devemos argumentar a partir da natureza para mostrar ao cético que a Bíblia é verdade.

“Mas existem cientistas criacionistas de terra jovem!”


Sim, mas estão na mesma proporção que historiadores que não crêem no Jesus histórico: São uma minoria.

“Criacionismo Bíblico” e a arrogância


Aqueles que chamam o Criacionismo de Terra Jovem de “Criacionismo Bíblico” como única forma de interpretar os textos de criação da Bíblia, são arrogantes por chamar outros "tipos" de criacionistas de "não-biblicos" e colocam a sua interpretação humana acima da Bíblia. Todos os Cristãos, seja de Terra Jovem, Terra Antiga ou Teísta Evolucionista crê que a Bíblia é 100% a Palavra de Deus completamente isenta de erros. É verdade, a Bíblia diz uma coisa, mas justamente a parte da criação é bem vaga. Como Santo Agostinho colocou:

“De maneiras que são tão obscuras e muito alem de nossa visão, nós encontramos nas Escrituras Sagradas passagens que podem ser interpretadas de varias formas diferentes sem prejudicar a fé que nós recebemos. Nesses casos, nós não deveríamos nos apressar e ficar apenas de um lado, se o progresso na busca pela verdade justamente acabar com essa posição, nós caímos com ela.” [Agostinho, Idem]

O texto bíblico sobre a criação é extremamente vago. Isso porque como falava das origens ele deveria ser escrito de forma que pessoas de todos os tempos iriam compreender. 

Conclusão


A verdade é que a Palavra de Deus e a Criação de Deus devem ser complementares. A Bíblia não é um livro de ciências, e tentar ler ciência nela seria como buscar matemática em um livro de português.
Não é o caso de que tiramos a autoridade da Bíblia para dar mais importância a ciência. Mas sim que lemos a criação de forma consistente e harmônica. De forma que não só faça sentido como também não afaste as pessoas de Cristo.

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