domingo, 21 de abril de 2019

Uma fé que não é vã


Através dos séculos, o ser humano tentou encontrar um fundamento para a realidade que ao mesmo tempo em que acabasse com seu anseio também interpretasse o mundo de modo adequado. Friedrich Nietzsche, o filósofo do século XIX que ficou famoso por sua icônica frase, “Deus está morto” acreditava que o homem, vendo-se em um mar de caos e devir começou a criar interpretações de mundo para conseguir suportar esse caos. Para o homem primitivo, essas interpretações tinham a pretensão de serem verdades, mas, no fim, eram apenas mentiras para o conforto do homem.[1]
Uma coisa, contudo, é inegável: o anseio do homem para resistir ao caos do mundo é real. Nietzsche estava correto com isso. Os hebreus respondiam a esse anseio falando sobre como Deus havia colocado a eternidade no coração do homem (Ec. 3.11). Mas a conclusão de Nietzsche de que as ditas “verdades” são meras perspectivas criadas para suportar o devir do mundo não parece estar correta. Afinal, se isso for “verdade”, não seria essa própria ideia uma mera interpretação também? E mais, não é o suficiente chamar uma ideia de falsa apenas apontando uma possível origem para ela, pois isso seria um exemplo de falácia genética.
O apóstolo Paulo, anteriormente conhecido como um dos maiores perseguidores de cristãos da história, disse, após sua conversão, que se Jesus Cristo de fato não ressuscitou dos mortos, então nossa fé é vã (1 Co 15.17). O termo grego mataios tem um sentido de algo que é fútil, falso, sem propósito. É um adjetivo derivado da palavra máten, que significa algo sem fundamento. Em outras palavras, se Jesus não ressuscitou dos mortos factualmente, então a fé cristã não possui fundamento algum. Não é possível ser cristão e dizer que a ressurreição foi apenas um artigo de fé cega originado de um sentimento dos primeiros cristãos. De fato, tal ideia seria incoerente, dado o pano de fundo judaico dos autores do Novo Testamento.
É fato que não haveria conversão alguma entre os primeiros cristãos se eles simplesmente dissessem que Jesus estava presente em seus corações, e isso lhes bastava. Judeus, como Paulo e Tiago, não tinham qualquer motivo para ter um “Jesus no coração”. Paulo perseguia cristãos, e Tiago não acreditava em seu irmão (Jo 7.5; Mc 3.21-35). Esses dois detalhes passam pelo critério de historicidade do constrangimento, pois seria constrangedor inventar que um dos principais líderes do Cristianismo foi um perseguidor daqueles que buscava aconselhar. Suas cartas não seriam dignas de crédito. Além disso, também seria embaraçoso colocar que o irmão do Messias era um incrédulo. Esse é um dos argumentos para demonstrar que as aparições de Jesus realmente ocorreram após a sua morte, servindo de evidência para a crença de Paulo, Tiago e outros discípulos, que estariam desanimados e sem esperança ao ver seu Messias morrendo. O crítico cético do Novo Testamento Hans Grass admite que “a conversão de Tiago é uma das provas mais certas das aparições de Jesus Cristo.” [2]
Essas aparições não são relatadas apenas na Bíblia. Mas os relatos das aparições de Jesus é apontado por Flávio Joséfo, um historiador judeu do primeiro século. Joséfo nos fiz que: “aqueles que haviam sido seus discípulos não deixaram de segui-lo. Eles relataram que ele lhes havia aparecido três dias depois da crucificação e que ele estava vivo”. Para Joséfo, um judeu que não foi convertido ao Cristianismo, a admissão de que pessoas acreditavam ter visto o Cristo ressurreto é algo embaraçoso, principalmente pelo fato dele ser um “inimigo” do Cristianismo.[3]
A ideia de uma ressurreição “espiritual” ou algo motivacional que fez com que os discípulos fossem até a morte não faz sentido no que para a própria perspectiva cultural da época. Dizer que a ressurreição de Jesus foi algo que aconteceu apenas no coração deles é um anacronismo, pois esse conceito não existia na época. Além disso, não convenceria ninguém, já que a tumba foi encontrada vazia. O historiador N. T. Wright, ao final de sua obra de mil páginas a respeito da historicidade da ressurreição de Jesus concluiu que a tumba vazia e as aparições pós-morte de Jesus estão “no mesmo tipo de categoria que a morte de Augusto em 14 d.C. ou a queda de Jerusalém em 70 d.C., isto é, no de uma probabilidade histórica tão alta que é praticamente certa.”[4]
A evidência para a tumba vazia é bem forte. Em primeiro lugar, seria impossível convencer as pessoas que o Messias morto havia ressuscitado se o corpo ainda estivesse lá. Além disso, o fato de mulheres serem as primeiras testemunhas da narrativa torna o fato em mais provável, pois mulheres não eram dignas de crédito para serem testemunhas na época. Se a história fosse inventada, eles teriam colocado os discípulos de grande nome como descobridores da tumba vazia. Por fim, a Inscrição de Nazaré, que é um decreto Imperial de 41 d.C., nos dá evidência de que algumas pessoas da época acreditavam que a tumba havia sido saqueada:

Decreto de César: É meu prazer que tumbas e sepulturas permaneçam perpetuamente imperturbadas por aqueles que as construíram para o culto aos seus ancestrais, aos filhos ou aos membros de sua casa. Se, porém, qualquer um fizer acusação de que outro as destruiu ou que, de alguma maneira, tenha extraído o sepultado, ou o tenha maliciosamente transferido para outro lugar com o objetivo de fazer-lhe mal, ou que tenha substituído o selo por um outro, contra este ordeno que seja constituído um tribunal, tanto com relação aos deuses, como em relação ao culto aos mortais. Pois é muito mais obrigatório honrar os sepultados. Que seja absolutamente proibido a qualquer um perturbá-los. Em caso de violação, desejo que o ofensor seja sentenciado à pena capital ou considerado culpado de violação de sepulcro.

Note que a punição para o saqueamento de uma tumba é a morte. O que é muito além do que os romanos fariam em caso de um roubo. Não haveria motivo algum para o decreto imperial sobre a tumba roubada, se os Judeus estivessem em Roma pregando a ressurreição e a tumba estivesse com o corpo. Mas como então o corpo sumiu? Não podem ter sido os Romanos, pois eles nem ligariam pra isso. Os Judeus muito menos, pois queriam que Jesus fosse esquecido.
Mas e os Cristãos? É improvável, já que eles estavam envergonhados e sem esperança, após ver seu líder morto vergonhosamente. De fato, como Judeus, eles acreditavam que aquele que fosse morte por crucificação estava sob a maldição de Deus (Dt 21.22-23). Além disso, não faria sentido eles roubarem o corpo e depois espalharem a mentira da ressurreição inventada por eles mesmos e estarem dispostos a morrer por isso.
N. T. Wright explica que a crucificação do Messias era, por si só, uma aniquilação da esperança no Messias por parte dos discípulos: “A crucificação de Jesus, entendida do ponto de vista de qualquer observador, simpático a ele ou não, deve ter parecido como a completa destruição de quaisquer pretensões ou possibilidades messiânicas que ele ou seus seguidores possam ter dado a entender.”[5]
Por esses fatos, uma ressurreição meramente motivacional ou espiritual não faz sentido. Também não pode ser dito por parte do cristão que essa é apenas “sua interpretação” do mundo. Para Paulo não era esse o caso. Como diz o estudioso liberal John Dominic Crossan, “Para Paulo [...] a ressurreição corpórea é a única maneira em que a contínua presença de Jesus pode ser expressa”.[6]
O historiador ateu Gerd Ludemann também concorda que “nós não temos razão nenhuma para colocar a interpretação simbólica da ressurreição de Jesus no contexto da crença dos primeiros Cristãos na ressurreição”.[7]
A perseguição e morte dos apóstolos é relatada por Clemente[8], Tácito[9], Flávio Joséfo[10], Inácio, Irineu, Tertuliano e Policarpo, além de diversos apócrifos antigos.[11] E, com isso, uma dúvida inevitável aparece: por que os primeiros cristãos morreriam por uma mentira? O fato simples é que a ressurreição de Cristo não é apenas mais uma interpretação de mundo, baseada em um desejo desesperado do coração humano. O Filho de Deus encarnou, viveu como homem e amou. Por esse amor, ele satisfez a ira do Deus Pai, pagando pelo desejo humano de se afastar de Deus e viver como deus. Na história da redenção, nós vemos algo quase paradoxal: o fato de que podemos ter esperança no futuro com Deus, ao mesmo tempo em que o homem, ansiando por esse futuro, não quer aquele que é o responsável por ele.
O homem, achando-se deus, criou diversas interpretações de mundo para tentar satisfazer o anseio por um conforto no caos do mundo, sem saber que o único que pode satisfazer esse anseio é o verdadeiro Deus que criou o homem. Esse é o pecado fundamental do homem. E o Deus que criou o homem que pensou que havia criado Deus pagou por ele. Por isso, Cristo o convida, de braços abertos, a voltar a Deus.

No final, nós vemos que Jesus de Nazaré é o cumprimento histórico dos mais genuínos ideais e anseios humanos, os quais são encontrados através das religiões, dos contos de fadas, dos épicos e das lendas do mundo. [...] Em Cristo, Deus aperfeiçoa e preenche as maiores esperanças e aspirações supremas em todas as culturas, filosofias e religiões.[12]

Por isso, a fé cristã encontra-se longe de uma fé vã. A fé cristã apoia-se em fatos. Não há fideísmo. O Cristo que fala ao meu coração, fala à minha razão também. Ele preenche os anseios do mundo, em todas as áreas, por uma escolha. É um Deus que poderia se manter longe, mas, por amor, se revelou. Cristo não é uma interpretação, Ele é o Deus encarnado, que revelou o que o mundo é para uma humanidade perdida e sem direção.



[1] CILENTO, Angela Zamora. “A metafísica de artista enquanto concepção estética do mundo”, Revista Primus Vitam, São Paulo, Nº 4, 2012, p. 1
[2] Apud. CRAIG, William Lane. Apologética Contemporânea: a veracidade da fé cristã, São Paulo: Vida Nova, 2012, p. 363
[3] Joséfo não foi um inimigo no sentido de se opor ao Cristianismo. Mas ele, como judeu, não era apoiador da fé cristã. Por isso, esse fato teria todos os motivos para ser omitido por ele.
[4] WRIGHT, N. T. A Ressurreição do Filho de Deus, São Paulo: Paulus, 2013, p. 975
[5] Ibid., p. 769
[6] Apud, LICONA, Michael;  HABERMAS, Gary. The Case for the Ressurrection of Jesus, Grand Rapids, MI: Kregel Publications, 2004, Locais do Kindle 1660-1661. Edição Kindle
[7] Citado em Inspiring Philosophy, 6. The Resurrection of Jesus (Spiritual Resurrection?), 2016, 15:11, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=rffmrioFnBY acesso 21/04/2019
[8] 1 Clemente 6:1
[9] Sean McDowell, The Fate of the apostles: Examining the Martyrdom Accounts of the Closest
Followers of Jesus, Londres: Routledge, 2016, p. 104
[10] Antiguidades 20:197:203
[11] Sean McDowell, The Fate of the apostles: Examining the Martyrdom Accounts of the Closest
Followers of Jesus, Londres: Routledge, 2016.
[12] COPAN, Paul. True for You, But Not for Me. Grand Rapids, MI: Baker Publishing Group, p. 118. Edição do Kindle.

Um comentário:

  1. A última parte do texto me fez lembrar de minha conversão. Foi uma conversão lenta, demorada, mas que foi construída nos meus dois pilares psicológicos: emoção e razão. Eu agradeco muito a Cristo por ter feito minha conversão ser lenta, pois sinto que foi a partir desse entendimento gradual que minha fé não foi construída sobre a areia. Nada que podia me tirar do Caminho consegue desviar meu foco.

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