Bruce Gordon fez uma das
críticas mais severas ao Criacionismo de Terra Jovem, tanto na área da ciência
quando da teologia.[1]
Um dos argumentos de Gordon é que Gênesis 1:1 aconteceu antes do primeiro dia,
permitindo assim um tempo não-especificado desde a criação até o que é narrado
em Gênesis 1:3.[2]
Agora, se você quiser saber
das várias razões exegéticas do porque devemos interpretar o verso 1 como um
evento independente dos dias de criação, de modo que ocorreu há um tempo não-específico
antes do primeiro dia, você pode adquirir meu livro.[3]
O site Answers in Genesis (talvez o maior ministério defensor do
Criacionismo de Terra Jovem da atualidade) forneceu uma resposta a Gordon, a
qual eu respondi em meu livro.[4] Mas mesmo se a resposta
deles estiver correta, ela refutaria o Criacionismo de Terra Antiga?
Na resposta, Ashby L. Camp
responde dizendo que a expressão “céus e terra” em Gênesis 1:1 engloba a
totalidade da criação: “Necessariamente são incluídas todas as coisas nos
versos 3-31, o que quer dizer que o verso tem a função de introdução
encapsulada dos detalhes que vão ocorrer no restante do capítulo.”[5]
Os argumentos fornecidos para
essa conclusão foram respondidos no meu livro, mas independente disso, vamos
considerar que Camp tem a conclusão correta. O que está sendo dito, em outras
palavras, é que Gênesis 1:1 inclui tudo
o que ocorreu nos versos 3-31, servindo como um resumo do que vai acontecer
depois.
Parece, contudo, que essa
conclusão prova justamente o contrário do que os proponentes da terra jovem
desejam. Considere o versículo 2 de Gênesis 1:
E a
terra era sem forma e vazia; e havia
trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das
águas. (Gênesis 1:2)
A expressão “sem forma e vazia”
não significa que a terra não existia. Afinal, o texto começa dizendo que essas
eram as propriedades da terra, e que nesse estado já havia água, sobre a qual o
Espírito de Deus se movia.
As palavras hebraicas que são
traduzidas para “sem forma e vazia” são tohu
e bohu. John Walton fez uma análise
do sentido da palavra tohu, e em
todas as 32 vezes em que ela é usada nas Escrituras, ela nunca tem o sentido de
descrever a forma material de algo (veja:1 Samuel 12:21; Jó 6:18; 12:24; 26:7;
Isaías 24:10; 49:4)[6]
Walton diz:
Os
contextos em que essas palavras ocorrem e as frases usadas em paralelo sugerem
que, ao contrário [de uma descrição material], que a palavra descreve aquilo
que não é funcional, sem ter propósito e geralmente não produtivo em termos
humanos. Aplicando-a como um termo descritivo a substantivos que representam
áreas geográficas, nações, cidades, pessoas ou ídolos, todos sugerem a mesma
conclusão. Uma palavra que tivesse relação com a forma material não serviria
bem nesses contextos. [7]
Dito de outro modo, tohu e bohu indicam uma terra sem função e vazia. E é exatamente isso o
que Deus faz nos seis períodos na sequência:
Dia 1 – Separação da luz e das
trevas (Função de Dia e de Noite, Gên. 1:5)
Dia 2 – Separação das águas de
cima das águas de baixo (Função do Céu, Gên. 1:8)
Dia 3 (1) – Separação das
águas e da terra (Função dos Mares e da Terra, Gên. 1:10)
Dia 3 (2) – A terra produz a
vegetação (Cheia de vegetação, Gên. 1:11-12)
Dia 4 – Os luminares são para
marcar dias, estações e anos (Cheia e com função, Gên. 1:14-16)
Dia 5 – As águas agora têm criaturas
(Cheia de animais aquáticos, Gên. 1:20-21)
Dia 5 (2) – Os céus agora têm
aves (Gên 1:21)
Dia 6 – A terra agora tem animais
e humanos (Gên 1:24-31)
Tanto os animais marinhos
quando os humanos têm a função de encher o mundo (1:22; 28). Ou seja, Deus
criou tudo com função, e os seres criados o ajuda a encher o que antes estava
vazio.[8]
Se, porém, o verso 1 é um
texto que engloba os versos 3-31 e o verso 2 é o que começa a narrativa, então o
texto de Gênesis 1 não fala da criação do universo. Consequentemente, nada ali
impede que a criação tenha ocorrido há bilhões de anos. O universo e a terra não
começaram no “que haja luz”. Eles começaram, na verdade, muito antes, antes da
terra sem função e vazia.
Portanto, se o site Answers in Genesis estiver correto, nada
na Bíblia exclui um universo e uma terra antigos. E o propósito de todo o ministério
cai por água abaixo.
Ainda assim, é importante ressaltar
que a conclusão de Walton com relação a tohu
e bohu não dependem de 1:1 ser um
resumo de 1:3-31. Assim, independente da sua interpretação de 1:1, ainda pode
ser adotada a interpretação funcional de Walton, ainda que junto de uma
interpretação de criação material.
[1]
GORDON, Bruce. Scandal
of the Evangelical Mind: A Biblical and Scientific Critique of Young-Earth
Creationism, 13/10/2014, disponível em http://researcherslinks.com/current-issues/Scandal-of-the-Evangelical-Mind-A-Biblical-and-Scientific-Critique-of-Young-Earth-Creationism/9/5/43/html;;
acesso 16/03/2019
[2]
Ibid. p. 5
[3] Veja:
FORTI, Felipe S. A gênese em gênesis:
solucionando a controvérsia das eras, 2ª Ed., São Paulo: Ed. do Autor, 2019.
[4] Ibid.
p. 69
[5]
Answers in Gênesis, A Reply to Bruce
Gordon’s Biblical Critique of Young-Earth Creationism, 2015, p. 3, disponível
em https://assets.answersingenesis.org/doc/articles/pdf-versions/arj/v8/reply-bruce-gordon-young-earth-creationism.pdf;
acesso 16/03/2019
[6] WALTON,
John. The lost world of genesis one:
ancient cosmology and the origins debate, Downers Grove: InterVarsity Press,
2009, p. 47-48.
[7]
Ibid. p. 48
[8]
Walton não acredita que Gênesis 1 fale de origens materiais, apenas origens
funcionais. Eu, contudo, diferente de Walton, não acredito que a criação do
texto de Gênesis seja apenas sobre atribuir funções, mas que envolve ambos:
criar e atribuir funções.
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