quinta-feira, 9 de abril de 2015

Os Pilares da Ciência #3 - Modelos Aproximados


A Ciência requer Aproximações

Todo o tipo de atividade profissional muda a forma que você pensa. Ela reescreve seu cérebro de forma que, mesmo quando você esta fora do trabalho, as coisas começam a parecer diferentes. Por exemplo, para um programador de computadores, tudo parece com algoritmos. Para um professor, tudo é pedagógico. Como um físico, o que vem na minha mente todo o dia são aproximações.

Toda a vez que eu penso sobre uma situação envolvendo buracos negros, ou provo um teorema, ou faço um calculo, eu sempre tenho que manter no fundo da minha mente que tipo de efeito físico eu estou ignorando, que não estou levando em conta. Esse habito se soltou na minha forma de pensar sobre a vida em geral. Idéias não precisam ser verdadeiras ou falsas, ao invés disso, elas podem ser boas aproximações em algum contexto, e más aproximações em outros contextos.
(Parcialmente relacionado: antes de eu começar a fazer física seriamente, eu acho que eu tinha uma idéia no fundo da minha mente de que quando eu fosse para a pós-graduação, eu iria aprender como calcular os problemas realmente difíceis. Mas acabei vendo que não tem como calcular as respostas para problemas matemáticos difíceis. Apenas existem truques inteligentes para simplificar os problemas difíceis de forma que eles virem problemas fáceis. Frequentemente, os truques inteligentes acham algum parâmetro que podem ser pequenos, para justificar alguma aproximação. A forma que ela funciona é: primeiro você descobre o que acontece se o parâmetro for zero, e depois você calcula os pequenos efeitos disso, não sendo exatamente zero.)
É impossível para qualquer modelo do universo capturar todas as características da realidade, ou então ele seria muito complicado para os seres humanos analisarem, ou para comparar os experimentos, no alto nível de precisão exigido pela ciência. Consequentemente toda teoria cientifica é aplicável apenas ao alcance limite do fenômeno. Em outras palavras, ela isola algumas características da realidade que são tão livres quanto o possível de influencias contaminadoras, e que é simples o bastante para ser ou medida experimentalmente ou calculada teoreticamente (o ideal seria fazer ambos, para comparar a teoria com o experimento).
Portanto, Ciência consiste de um monte de modelos que se sobrepõem parcialmente e que cobrem com diferentes remendos a realidade. Alguns desses remendos são menores, e cobrem situações especificas (ex: o principio de Bernoulli para fluidos dinâmicos) e outros cobrem um grande alcance de situações (ex: Eletrodinâmica Quântica, que cobre tudo relacionado com eletricidade, química e luz). Nenhum desses remendos cobre tudo, e os dois maiores remendos, Teoria de Campo Quântico e Relatividade Geral, ainda não podem ser reconciliadas um com o outro.
Uma das implicações desse principio é que revoluções cientificas raramente resultam em uma invalidação de teorias velhas bem estabelecidas. O motivo é que se a primeira teoria explicava um remendo significativo dos dados, a nova teoria pode apenas substituir a antiga se ela explicar todas as coisas que a primeira explicava, e ainda mais.
Normalmente isso significa que a teoria antiga é uma situação limitante ou caso especial da nova teoria. Então a teoria antiga ainda é valida, apenas em um remendo menos do que a nova teoria. Por exemplo, a teoria da Relatividade Geral de Einstein substituiu a teoria da gravidade de Newton, mas ela predisse quase os mesmos resultados que a de Newton no caso especial de que os objetos sendo considerados estão se movendo muito mais lentamente do que a luz, e seu campo gravitacional não é muito forte.
Então, as predições empíricas da teoria de Newton ainda estão corretas quando aplicadas em domínio próprio. No entanto, as implicações filosóficas quanto a natureza do espaço e do tempo não poderia ser tão diferente quanto nessas duas teorias, porque a teoria Newtoniana trata o espaço e o tempo como fixos, imutáveis, entidades separadas, enquanto a teoria Einsteiniana trata o espaço-tempo como um campo contingente único capaz de ser afetado pelo fluxo de energia e ímpeto através do espaço-tempo.
Filósofos que raciocinam por descobertas cientificas devem ser advertidos disso: apesar das predições empíricas de uma teoria normalmente sobreviverem a revolução, as implicações filosóficas normalmente não sobrevivem. Então, nossas visões cientificas atuais devem ser tratadas de forma como se fossem provisórias. Por outro lado, seria ainda mais tolo tentar discutir a natureza filosófica do espaço, tempo, causalidade, etc. sem levar em conta as mudanças radicais que a Ciência tem feito as nossas intuições ingênuas sobre esses conceitos. Alguns melhoramentos em nosso pensamento são melhores do que nenhum.


Traduzido de: Aron Wall, Undivided Looking, Pillar of Science III: Approximate Models

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